A imprensa morreu. Não de “morte matada”, como diziam os mais antigos, mas de “morte morrida” – expressões consagradas, em “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto.
O óbito não foi repentino. A estupidez ideológica tomou conta das redações país afora, como uma metástase diagnosticada tardiamente. Muitas viraram verdadeiras fábricas de crises, de desinformação e de militância, forjadas na manipulação dos fatos.
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O repórter virou especialista e o debate deu lugar ao discurso único e enviesado. Já os entrevistados são escolhidos a dedo para confirmar posicionamentos, castrando as discussões salutares. Esse jornalismo confirmatório mistura-se ao opinativo, que desbancou a análise crua dos fatos. Sem contar as caras e bocas que tomam as telinhas, em aprovação ou desaprovação a fatos políticos.
O profissional da notícia não questiona, mas faz verdadeiros libelos acusatórios, muitas vezes, negando o direito ao contraditório. Já as afirmações rasteiras e desprovidas de qualquer empatia ou respeito tornaram-se corriqueiras. São tantos “istas” e adjetivos, que não passariam pela peneira de um bom editor das antigas.
O artigo 10, do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (CEJB), define as proibições impostas ao profissional da notícia. No entanto, os militantes desprezam a cartilha. Pasme! Literalmente, o texto diz que é vedado ao jornalista “submeter-se a diretrizes contrárias à divulgação correta da informação; frustrar a manifestação de opiniões divergentes ou impedir o livre debate e concordar com a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, políticos, religiosos, raciais, de sexo e de orientação sexual”. Nada mais retórico.
Indubitavelmente, a objetividade jornalística é um desafio. Para alguns, um mito. Mas a honestidade intelectual Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, não. Essa deve ser obrigatória, em respeito ao leitor, ouvinte ou telespectador.
Preguiça ou militância?
Recentemente, uma revista de circulação nacional publicou a informação falsa, replicada por outros veículos, de que o presidente Jair Bolsonaro teria concedido a si mesmo, por decreto, uma medalha de grão-mestre da Ordem Nacional do Mérito Científico. No entanto, o diploma legal é de 2002 e define as regras para a honraria, prevendo que o presidente da República é sempre o grão-mestre da ordem.
E imputar a um presidente da República um crime, na sanha de apeá-lo do poder, como ocorreu no vexatório caso do porteiro do condomínio do então deputado, no caso Marielle?
A morte do jornalismo investigativo também foi sorrateira. Basta relembrar a farsa do leite condensado, que, dentre tantos exemplos de desinformação deixaram uma nódoa grotesca. No ano passado, para sustentar uma denúncia desprovida de verdade, o repórter não fez cálculos e nem se deu ao trabalho de apurar decentemente dados e contextos. Sem pestanejar, cravou como bilionária a compra pelo governo federal de leite condensado – iguaria predileta do morador do Palácio da Alvorada.
A reportagem afirmava que uma lata do produto havia custado R$ 162 reais, em uma das compras do Exército. Dias depois, a imprensa foi desmascarada. Tratava-se do valor de uma caixa com 27 unidades. Sem contar que os gastos públicos nem de longe foram excessivos, uma vez que as aquisições referentes à alimentação caíram, em 2020, graças a cortes que incluíram… leite condensado!
O jornalista deve se despir de toda ideologia. Recortes seletivos e desinformação corroem a credibilidade. Afinal, negar os fatos é infantilidade, uma vez que o cidadão já bebe de outras fontes e, claro, vivencia os fatos dos quais é protagonista ou testemunha.
Não é à toa que, a confiança na mídia despencou. Recém estudo mundial do Digital News Report aponta que apenas 4 em cada 10 pessoas (38%) dão crédito às notícias. No Brasil, a credibilidade chega a 51%. Mas não há o que comemorar. Os fatos jamais devem adequar-se às preferências políticas ou filosóficas do jornalista.
Num país dividido, a imprensa brasileira deveria ser protagonista da pacificação, a exemplo do que ocorreu, na década de 80, na reabertura democrática. No entanto, o que vemos é o ativismo nas manchetes e nas narrativas infindáveis.
By Mércia Maciel, jornalista e pedagoga, formada pela Universidade de Brasília.
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