Quantas vezes você deu duas voltas com a chave de casa somente para garantir que a porta esteja trancada? Pois é. A segurança das urnas não deveria ser tabu tampouco castrado o debate sobre as tais camadas de inviolabilidade do dispositivo.

Os questionamentos sobre a transparência das urnas eletrônicas, que são as vedetes dos pleitos no país, desde 1996, são antigos. O debate ganhou visibilidade, há 22 anos, com um expoente da esquerda – o ex-governador Leonel Brizola. Bem posicionado nas pesquisas, o pedetista perdeu a disputa pela prefeitura fluminense e estrilou: “Perdemos o direito à recontagem”.

Em 2014, a queixa pela falta de um mecanismo que possibilite a verificação dos votos veio do PSDB, após a derrota de Aécio Neves para Dilma Rousseff, aos 45 minutos do segundo tempo. A petista virou o placar, às 19h:32, com quase 90% das urnas apuradas. O partido pagou uma auditoria, que cravou não ser possível auditar o sistema. Denúncias de fraudes pipocaram, mas reservo-me a não comentá-las por não poder provar os indícios, negados pelo TSE.

 

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Dito, nos últimos oito meses, as Forças Armadas encaminharam 88 questionamentos e sugeriram mudanças ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na tentativa de evitar riscos e fragilidades da urna eletrônica. Os militares integram a Comissão de Transparência, formada pela Corte, em setembro passado, para fiscalizar o processo eleitoral deste ano. Ainda integram o colegiado, entidades civis de transparência, Polícia Federal e universidades.

Em abril passado, diante de rusgas entre o ministro que comandava o TSE Luiz Roberto Barroso e o ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, a corte eleitoral divulgou dez medidas elaboradas em resposta às sugestões da comissão. Das 44 sugestões, cinco dos militares foram, parcialmente, acatadas. A principal – “a adoção de medidas que permitam a validação e a contagem de cada voto sufragado, mesmo que por qualquer motivo, as respectivas mídias ou urnas eletrônicas sejam descartadas” – ficou de fora.

Indicado pelas Forças Armadas para atuar na comissão, o general de Exército Heber Garcia Portella, disse ainda que “a despeito do esforço em se prever ações, em face da observância de falhas, durante o pleito eleitoral, até o presente momento, salvo melhor juízo, não foi possível visualizar medidas a serem tomadas, em caso de constatação de irregularidades nas eleições”.

O TSE sustentou que o sistema possui mecanismos para a recuperação de votos e de que, em relação a medidas a serem adotadas, diante de irregularidades, há diversas punições previstas imediatas, com desdobramentos judicias – na legislação eleitoral brasileira.

Quanto às sugestões acatadas, em parte, o tribunal aceitou a antecipação da inspeção dos chamados códigos-fonte das urnas e o aperfeiçoamento do aplicativo “Boletim na Mão”.

Nesta semana, o deputado Filipe Barros (PL-PR) defendeu que o TSE adote alternativas “paliativas” para ampliar a segurança das urnas e citou sugestões encaminhadas pelo grupo de militares. Para ele, a solução definitiva seria a modernização do dispositivo, com a impressão do voto, rejeitado pela Câmara dos Deputados, no ano passado. Aliás, oposição e imprensa divulgaram a fake news de que a direita queria a volta do voto impresso, escondendo a defesa do voto auditável.

Em dezembro, o líder do desenvolvimento e da fabricação da urna eletrônica, nos anos 90, e engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica, Carlos Rocha, sustentou que as máquinas são suscetíveis à manipulação e que o problema não foi resolvido. Segundo ele, não há sistema 100% seguro.

Nesta quinta, o presidente Jair Bolsonaro, durante live semanal, revelou que o partido dele vai contratar uma empresa para auditar as eleições, conforme a Lei das Eleições, de 1997. O TSE, então, confirmou que as legendas poderão realizar o acompanhamento, de acordo com a disposição legal.

A nossa urna é de primeira geração. Um disposto atual cairia bem. Mas a polarização política envenenou o salutar debate.

 

By Mércia Maciel, jornalista e pedagoga, formada pela Universidade de Brasília.

 

 

 

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