A década era de 70. Ao analisar pesquisas eleitorais na Alemanha, a cientista política Elisabeth Noelle-Neumann formulou a Teoria da Espiral do Silêncio. Ela concluiu que as pessoas omitem a opinião, quando conflitante com o pensamento dominante. O medo do isolamento social, da crítica, da represália e da zombaria explicam o comportamento.

Torcer o nariz para o contraditório não é algo novo. No entanto, em todo o mundo, a pandemia da Covid-19 coroou o fenômeno. Em nome da Ciência, que ganhou lado, o debate foi castrado na imprensa, nas rodas de conversa e nas redes sociais. A ideologia ganhou contornos reprováveis e, em meio a um turbilhão de dúvidas sobre o vírus, ousar posicionar-se sobre vacina, tratamento precoce, quarentena vertical, imunidade de rebanho e economia tem sido um verdadeiro ato de coragem. O receio do chamado cancelamento social e as intimidações sufocaram o salutar e necessário debate.


Mais ainda. Segundo o psicólogo americano Michael Gervais, que cunhou o comportamento de FOPO – “fear of other people´s opinion” ou medo das opiniões alheias, o julgamento das ideias massacrou a liberdade de expressão. As redes sociais otimizaram essa autocensura e até o “like” foi escanteado. Afinal, se a manifestação de um pensamento é tolhida, a concordância também não saí incólume.

Sufocar a verbalização do pensamento adoece. A ideia presa na garganta ou em posts é uma forma de violência à saúde psicológica, tornando-se gatilho para doenças mentais graves, como depressão e síndrome do pânico, além do isolamento em si.

Nas relações pessoais a intolerância apresenta sua face mais cruel e reprovável, se revelando na incapacidade de aceitar pessoas com pontos de vista diferentes. Laços familiares e de amizade foram desfeitos ou desprezados.

No Brasil, desde a democratização, em meados dos anos 80, a direita calou-se, enquanto os progressistas lutavam por corações e mentes, principalmente, dos jovens. Nesse tempo, posicionar-se de forma diversa aos valores socialistas era quase um “palavrão”. Nada mais totalitário. Sem espaço na mídia, a internet virou campo fértil para o “pensamento único e reinante”. Sufocado, o conservadorismo acordou, com as eleições de 2018, que trouxe ao poder o então deputado federal Jair Bolsonaro.

Com os rumorosos casos de corrupção que apearam o Partido dos Trabalhadores do poder, a esquerda brasileira perdeu o protagonismo das ideias e dos posicionamentos. A partir de 2014, milhares de cidadãos ganharam as ruas, em defesa da força-tarefa da Lava Jato, que desvendou a histórica e repugnante roubalheira no seio do Estado brasileiro. Um ano antes, os protestos de 2013 contra aumento das tarifas do transporte público revelaram a insatisfação social com a classe política, corrupção e problemas estruturais na educação, saúde e segurança.

Os “donos da tolerância” disfarçada perderam espaço, com a onda conservadora que varreu as últimas eleições presidenciais. Jovens ergueram a voz e se expuseram. Os monólogos deram lugar a acalorados debates sobre temas caros aos conservadores, como aborto, descriminalização das drogas, linguagem neutra e ideologia de gênero. A necessidade de aprovação social cedeu e o pensamento “envergonhado” perdeu força. No entanto, a autocensura ainda dá as cartas e, em meio ao tribunal da internet, o tal cancelamento reina.

Dias melhores virão.

By: Mércia Maciel, jornalista e pedagoga, formada pela Universidade de Brasília (UnB)

 

Cover image: Photo by Juan Burgos from Pexels

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