Tente não citar algum caso recente de intolerância. Dificíl? Pois é. Nos últimos tempos, o país assiste estarrecido a cenas de intransigência no trânsito, nas filas e, principalmente, nos relacionamentos. Sem contar a insensatez que termina em crimes, cometidos por razão fútil ou por impulso.
Nas relações pessoais, a intolerância também apresenta sua face reprovável e cruel. Os principais cenários têm como pano de fundo a falta de empatia e de respeito. Com facilidade, pessoas se zangam com o próximo, não aceitam pontos de vista diferentes e são insensíveis à opinião alheia.
Se antes, os conflitos de ideias eram debatidos e ficavam nas despretensiosas rodas de amigos ou em uma mesa de bar, hoje, a defesa insensata das tais convicções ideológicas machucam e segregam. Não é raro, achar alguém que cortou relações familiares ou de amizade, por conta de opiniões divergentes, principalmente, quando as diferenças chegam às redes sociais.
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Em 2019, a intolerância política foi traduzida em números. Segundo pesquisa do Instituto Ipsos, realizada em 27 países, a polarização no Brasil atingiu um nível tão elevado, que superou a média registrada nas nações observadas. O levantamento mostrou que um terço (32%) dos brasileiros estava menos propenso a aceitar as diferenças político-partidárias e a conversar com quem pense diferente delas. O Brasil perdeu apenas para a Índia (35%) e África do Sul (33%). A média do “intolerômetro” nos demais países pesquisados ficou em 24%.
A impaciência dos últimos tempos saiu do campo das ideias e materializou-se, em 2014, com a disputa pelo gramado da Esplanada dos Ministérios, em frente ao Congresso Nacional. Um muro (literalmente) dividiu os apoiadores do impeachment da então presidente Dilma Rousseff dos defensores da mandatária. De lá para cá, a polarização acirrou-se, passando pela prisão de Lula e pela eleição de Bolsonaro.
É possível uma tolerância disfarçada? Para o teólogo canadense D. A. Carson, sim! Em seu livro “A Intolerância da Tolerância”, Carson retrata como a sociedade atual encara a diversidade de opiniões. Para o teólogo, a “nova” tolerância esconde uma incapacidade intransponível de aceitar o que outro pensa. Segundo ele, se até pouco tempo, tolerar era respeitar a opinião divergente e conviver, pacificamente, com ela, ainda que combatendo-a, agora, é preciso abraçá-la, sob pena de ser acusado de… intolerante! Hoje, a “sensibilidade dos ofendidos” leva-os a se julgarem livres para massacrar e cancelar o suposto agressor intelectual.
Indubitavelmente, o que se avizinha para as eleições deste ano não é um céu de brigadeiro. De acordo com nova pesquisa do mesmo instituto Ipsos, realizada em 33 países, em dezembro passado, para 62% dos brasileiros não haverá melhora em relação à tolerância, em 2022. Desta vez, o número de pessoas descrentes com um futuro mais ameno acompanha a média global. Para 81% dos franceses e 79% dos belgas, a intolerância será a marca deste ano.
A falta de empatia é também associada aos chamados “tempos líquidos”, onde o individualismo tem lugar de destaque. Dessa forma, pouco importa o que pensa o outro. O tom encrespado e a hostilidade de todos os lados vão continuar estremecendo as relações pessoais. Oremos.
By Mércia Maciel, jornalista e pedagoga, formada pela Universidade de Brasília.
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